Como o de muita gente, especialmente se calhar num dia de semana, começa sempre com um fdp qualquer nomeadamente pai, mãe, familiar ou outro que entra pelo quarto adentro às sete da manhã, sobe as persianas e desata a cantar os "Parabéns a Você". Ora eu sinceramente às sete da manhã consigo encontrar formas mais agradáveis de sair da cama para ir para a escola, e que não envolvam ficar surda o resto do dia. Depois quando vamos para sair de casa alguém, possivelmente a mesmíssima criatura que nos acordou de forma violenta e traumatizante, diz "Adeus! Tem um Bom dia de anos!". E diz isto do fundo do coração com a melhor das intenções. É claro que me teria soado dez vezes melhor se porventura essa pessoa se tivesse recordado que um dia para ser bom passa por não acordar às sete da manhã, ou não acordar sequer, com imensa luz no focinho e um barulho irritante a soar (a soar, a troar, a ribombar e a fazer o pino às cambalhotas) pelo quarto todo.
Durante o dia que de impertinente decide começar às 8:30 da manhã e terminar às 20:30 da noite sempre com aulas, explicações ou outros que tais há um sem fim de pessoas algumas das quais nem me lembro do respectivos nomes que me desejam bom aniversário. E eu respondo com um sorriso amarelo "Obrigada (isso teria melhor efeito se não tivesse sido fulano de tal que te disse à minha frente disfarçadamente que era o meu dia de anos)!" E portanto estes pequenos momentos servem para mostrar o quão absurdo algo pode parecer.
Mas melhor do que esses pseudo-informados são aqueles que muito convenientemente têm lembretes do facebook e portanto uma pessoa chega a casa depois do brilhante e nada comprido dia que teve e nada melhor do que escrever vinte vezes obrigado e um smile bonito com pequenas variações em todos os comentários do face. Mesmo naqueles das pessoas que nos viram trinta vezes nesse dia e não piaram, nem tugiram, nem mugiram. Claro que não. É normal. Afinal as pessoas não piam, nem tugem, nem mugem: Falam.
Mas e para contrariar tanto absurdo há aqueles que são espontâneos e genuínos e que chegam aos berros vindos não sei de onde a cantar-me os parabéns, desafinados, queridos, amigos (mesmo tendo eu aquele famoso comentário deles no facebook também). E me abraçam e me desejam um feliz dia. Assim, sem mais nem menos, efusivamente. E compensa o resto. Denote-se que são estas mesmas pessoas que uma semana antes de eu fazer anos já andam a falar disso.
Para continuar que eu durante 17 anos de existência acumulei muitos pensamentos sobre esta coisa de fazer anos o facto de fazer anos parece que me dá direito a decidir a ementa do respectivo dia. E claro que escolhi o que me deu na mona com as respectivas alterações que ninguém se lembra de fazer por mimo ao prato quando eu não faço anos mas que por eu ter mais um ano em cima acedem em realizar. Ocorreu-me uma altura recordar esta gente toda de que a minha pessoa não faz ri-go-ro-sa-men-te nada! Muito menos anos... a não ser que o facto de me manter viva mais um ano (o que sendo eu desastrada é um feito e tanto) conte para alguma coisa a única pseudo-pessoa que faz alguma coisa é o tempo que se limita a passar! Mas se os levasse na lenga-lenga ficava sem os meus bem amados cannelones s/cebola e isso não é coisa que se faça.
Outra que eu não percebo é o porquê de se reunir a família toda... No sábado seguinte lá tive eu o famoso jantar. Traduzindo, esse "jantar" resume-se a um número variado de horas em que temos de ostentar um sorriso radiante por termos um monte de gente enfiada em casa (que depois vamos ter de limpar) a fazer perguntas sobre tudo e nada, sem motivo nenhum , que normalmente não ligam para casa (nem que a gente esteja no hospital com os ossos todos partidos) e a quem nós também não ligamos. E claro temos de estar duas horas sentados à mesa a comer entradas, prato principal, frutas, café, sobremesas... E o dito bolo (que acaba por ser da preferência de todos menos da minha: que ainda sou quem faz anos e que falo em chocolate e amêndoas e a tradução é chantilli e morangos)... Isto tudo claro de forma muito leve suave e graciosa... depois de uma ainda mais leve tarde de explicações de matemática e de física-química.
Mas e passando o facto de toda a gente ter mais o que fazer além de estar a aturar toda a gente este ano houve uma inovação. Inovação essa que quase me fez deitar o bolo varanda abaixo. O tal de chantilli e morangos. Porque aparte o conteúdo a minha mãe, engraçadinha, mandou fazer um bolo da Kitty, sim, sim cor-de-rosa e tudo lá estampada com um chupa-chupa arco-íris nas patas. Isto resultou numa chamada do meu pai que quando foi lá buscar o bolo, desconhecendo o facto, e o presentearam com o dito cujo, ligou para casa a perguntar se era mesmo aquele bolo. E como a respostas não fosse claramente afirmativa fez questão de enfatizar "Da kitty? Tens a certeza?" Como a resposta se mantinha terminou com o graciosíssimo comentário "A tua filha vai-te estrangular" e ainda mais gracioso aviso: "Eu não tive nada a ver com isto!". Perante esta chamada de telefone a que eu assisti garanto-vos que foi uma sorte ter voltado a articular os maxilares. Por segundos julguei que não ia conseguir falar nunca mais, nem ar suficiente tinha para o fazer. Não estrangulei a minha mãe mas fi-la saber que me voltava a fazer uma destas e ia comprar um bolo de emergência às onze da noite. Isto para desencorajar quaisquer futuras ideias de Noddy's... Para efeitos de registo o corte que dividiu a gata em duas da cabeça aos pés fui eu quem o realizou com uma enorme satisfação e como alternativa a mandar o bolo varanda abaixo (2º andar).
Outra coisa que eu acho impressionante são os telefonemas. Esta gente à segunda feira parece ter o dia livre para o que bem entender! Eu tenho aulas!!! E felizmente aprouve-me um rasgo de bom senso, tive o telemóvel religiosamente em silêncio o dia todo! Depois outra fabulosa que me acontece são as sms... No dia seguinte há sempre um cristo que liga a dizer que enviou qualquer coisa às tantas da noite (coisa essa que eu passadas 16 horas ainda não recebi)... "Oh pah se te esqueces-te não faz mal!" é o que me apetece dizer. Mas isso ia gerar complicações e portanto fico-me por um "O telemóvel ficou sem bateria e eu só o pus a carregar à bocadinho quando cheguei! Ainda não vi nada mas já lá vou ler!" e pronto a coisa fica aviada por mais um ano e poupam-se uns tantos silêncios embaraçosos que parecem irritantemente ampliados quando se processam ao telefone.
Coisas à parte, e saltando mais um comentário de parabéns daquela pessoa que estamos a tentar esquecer mas que decidiu passar no face, acontece sempre que, posto o ser humano ser um ser social (já diziam os filósofos) há sempre estrilho numa das minhas festas. Quando somos pequenos normalmente acabamos a chorar debaixo da mesa enquanto berram os parabéns como se nada fosse. Quando crescemos já ganhámos uma boa dose daquele cinismo e postura de não-quero-saber-do-que-fez-agora-não-sei-quem-a-não-sei-quem aconteça o que acontecer.
Ou seja, este ano a minha avó ofereceu-se para fazer o prato principal do jantar (arroz de sangue que ela prepara maravilhosamente). A minha mãe agradecida aceitou... Grande asneira. É que sabem a minha avó parece que a partir das sete da tarde esteve constantemente a perguntar "Já posso deitar o arroz?" ainda os convidados não tinham chegado todos nem se tinham comido as entradas. melhor ainda: ainda EU não tinha chegado (que se bem se lembram estava em explicações). A minha mãe dizia sempre "Não tenha calma, quando chegarem todos!". Estou eu acabada de entrar em casa vinda de uma tarde de martírio, perdão de uma tarde super suave, passa a minha avó a mandar-me abrir a porta com ordens secas e carregando nas mão um panelão maior que eu cheio de arroz já deitado e já cozido. E pronto: a discussão começou. A minha mãe não gostou, eu não gostei, porque ainda não tinham chegado todos, a minha avó fez a tão conhecida cena do Ajudo-Para-Esfregar-Na-Cara e abalou sem comparecer ao jantar, chamaram-se todos à pressa (entretanto chegou quem faltava) misturou-se alheira com arroz, bolinhos de bacalhau com batatas e salada e pronto. Mas não me esqueço que a minha avó além de ter deixado a minha mãe fula faltou ao meu jantar. E estou-lhe muito grata por essa cena armada com pompa e circunstância quando menos se precisava dela.
E podia continuar num rol interminável de considerações... do género ligaram-me uns dias antes (o dito cristo) a perguntar o que é que eu queria de prenda de anos. Resoluta afirmei que queria um jaguar branco e acharam que eu estava a brincar. Então ofereceram-se para me levar ao concerto da Ivete Sangalo no Porto. Pensei que não estava com a mínima para concertos, nem que me pagassem e recusei... está claro que no dia me arrependi. Mas pronto. Umas sapatilhas e dois livros em inglês está fixe suponho... mas não compensa o tal jaguar branco.
A minha mãe fez-me exactamente a mesma pergunta e eu depois de ponderar falei numa câmara de filmar. Fez cara feia, disse que era muito caro e se eu não preferia um conjunto de roupa. Sim eu. Fiquei a perguntar-me para que raio me perguntavam o que eu queria para dar nestes brilhantes resultados. É que se não é para responder então mais vale comprarem, oferecerem e ficarem à espera do brilhante sorriso e comentário grato independentemente de eu gostar ou não da prenda. Isto minha gente é o chamado mundo dos crescidos, dos adultos, que mentem com quantos dentes têm e conseguem ter estas atitudes engraçadas de sorrir e ser assim hipócritas. Em qualquer caso ainda nem a roupa recebi, mas se ela estiver a pensar em saias e camisinhas deixa-la estar sentada que fico bem assim.
E depois há os benditos sms da meia-noite daqueles que querem ser os primeiros e não devem ter que fazer à cama, nem à falta de sono. Mas felizmente este ano já ninguém se atreveu aos ditos cujos, porque eu sinceramente, era bem capaz de todas as noites os acordar pelo telemóvel com perguntas estúpidas do género "Estás acordado?" quando ouvir resmungar do outro lado da linha. Só por causa das coisas. Porque eu não tenho culpa nenhuma de esta gente andar toda com insónias.
A única pessoa que não me deu os parabéns está de parabéns pela atitude, seja porque se esqueceu ou porque me conhece, porque sinceramente paciência para "fazer anos" eu não tenho, nem para aturar quem acha que isso é um acontecimento de valor. Curiosamente também é a única pessoa, e amigo, que me conhece decentemente.
E agora mesmo no fim preciso de dizer que o grande motivo pelo qual me desagrada tremendamente fazer anos é porque há sempre um fdp qualquer que chega ao pé de nós que fazemos x anos e diz com cara de pau "Já estás quase a fazer x+1 anos! Já tens idade para ter juízo!" Eu não sei o que raio andaram eles a fazer na escola, mas de certeza que não meteu matemática lá no meio. Também acho este comentário engraçado. Será que no tempo dos nossos pais e avós se encontrava juízo assim em saquinhos ao virar de cada esquina? É que aqui e agora a coisa anda difícil e eu não sei como raio esperam eles que a gente ganhe juízo da noite para o dia se em 17 anos inteiros não conseguiu.
Uma não fazedora de anos.