«Quando eu era criança, a criatividade não era uma das qualidades mais apreciadas pelos adultos. Aliás, a criatividade era um sinónimo pouco usado de mentira. No meu tempo não havia crianças criativas e as poucas que desafiavam os calduços eram simplesmente mentirosas (...)» Francisco Abelha em Pai em construção
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Portanto a designação de criança criativa atribuída a um puto que diz que "tem um cão, uma tartaruga e um dinossauro pequenino que não morde" é recente. Antigamente um miúdo que se mostrasse criativo era aquele que mais depressa aprendia "o quanto doem as palmadas". Isto porque a criatividade não era mais do que mentira e cedo se transformou no terror dos pais. Hoje em dia já não é tanto à força das palmadas mas se há um puto que pinta um morango de azul e insiste em dizer que é um maracujá os pais são capazes de se sentar e obrigar o puto a apagar e a pintar aquilo de vermelho enquanto lhe explicam durante uma hora que aquilo é um morango e não um maracujá. Ora eu se um dia tiver filhos (era não era?) dou-lhes toda a liberdade de chamarem aos morangos vermelhos maracujás azuis se bem entenderem porque não vejo em que é que isso os vai afectar futuramente. Desde que não comecem de repente a dizer que são coelhos e a comer a erva do jardim não tenho qualquer razão lógica para os impedir de o fazerem. Até porque se um dia os mandar comprar morangos ao supermercado dificilmente eles me trarão maracujás azuis aos invés. E enquanto estiverem ocupados com os maracujás azuis e com "o dinossauro pequenino que não morde" não andam a dedicar-se a abrir tudo quanto é frasco de pomada e a espalhar na cara e em abono da verdade em tudo o que estiver ao alcance das mãos besuntadas e muito menos andarão ocupados com perguntas e observações inconvenientes. E outra coisa que seria bom de deixar de incentivar era dizer aos putos que as pessoas são da cor da pele e mandá-los corrigir quando pintam alguém de amarelo, ou de preto, ou de vermelho etc. Isto porque só lhes faz bem pintarem pessoas de várias cores porque pelo menos podem ter a certeza de que não se tornarão racistas num futuro próximo.
«O pediatra dos meus filhos disse-me, para eu dizer à minha mulher, que as crianças mais inventivas são as que constroem mais tarde os melhores raciocínios e revelam uma melhor aceitação da realidade. Durante uma consulta ele disse mesmo que as crianças criativas são as mais felizes e depois interrompeu a consulta para atender uma chamada telefónica do amigo imaginário»
É claro que se os putos andaram durante uma porrada de anos a chamar maracujá azul aos morangos vermelhos se um dia ouvirem dizer que agora existem Kiwis com sabor a uva não vão estranhar minimamente.
Bem claro que há o perigo de ao incentivarmos esta criatividade eles a mantenham até adultos como parece ser o caso do pediatra dos filhos do Francisco Abelha. Mas como as atitudes deste senhor me parecem fruto de negligencia paterna quando ele numa qualquer altura da infância bateu com a cabeça e não propriamente de incentivo da criatividade não estou muito para me preocupar. E se as crianças souberem além de ser criativas mentir um bocadinho bem se podem dar por felizes pois estão encaminhados "para um futuro na politica" e elas nunca dirão às mães que estão gordas ou que o pai fica absolutamente horrível com aquela gravata nova que comprou.
P.S.: Expressões entre aspas são retiradas do livro Pai em construção de Francisco Abelha